Poesia de Cordel

sábado, 21 de maio de 2011

Oliveira de Panelas



Oliveira de Panelas: Natural de Panelas-Pe- nasceu a 24 de maio de 1946. Aos 9 anos de idade já começou fazer poesia. Na década de 50/60 percorreu o Estado de Pernambuco e Alagoas cantando repente.
Teve que trabalhar de auxiliar de pedreiro, mas nunca abandonou a viola. Trabalhou na difusora de Garanhuns no período 62 a 70, como titular do programa “Violas de Repentes,”no qual cantava em parceria com Manoel Bezerra Diniz.
Morou em São Paulo durante alguns anos, no bairro do Brás, fazendo repentes no “Recanto dos Poetas.”Foi sócio-fundador da Associação de Repentistas, Poetas e Folcloristas do Brasil, também em São Paulo. Em 1972 ganha seu primeiro lugar num Festival de Violeiros em Celso Garcia-SP.Representou o Estado de Pernambuco em São Paulo no 1o. Congresso de Repentistas Nordestinos.
Sua fama foi crescendo mediante inúmeras apresentações e aí foi convidado pela Rede Globo em 1974, para se apresentar no programa “Fantástico”. Aí fez parceria com José Francisco de Souza.
Seu primeiro disco foi gravado na Coletânea de Repentistas, com repentes variados. Seus temas são bem atuais; Oliveira de Panelas é um cantador moderno. Até pela imprensa internacional da França, Portugal, Itália, Estados Unidos ele é enfocado. Inclusive participou do Salão do Livro em Paris.
Já cantou para o Papa João Paulo II e para o nosso consagrado cantor Roberto Carlos. Gravou cerca de 15 discos e CD. Publicou quase uma dezena de livros de poesia inúmeros cordéis e folhas soltas.
Foi presidente da Associação de Poetas Repentistas do Brasil durante anos e promoveu mais de uma dezena de Encontro Nacional de Poetas Cantadores do Brasil. Possui Certificado como violeiro, outorgado pela Ordem dos Músicos do Brasil.
Oliveira de Panelas encontra-se na Paraíba há mais de duas décadas. Já foi titular de programas de rádio, a exemplo na Rádio Tabajaras, com “O Nordeste Canta”, em parceria com o seu parceiro de vinte anos, o então também grande repentista Otacílio Batista.O poeta utiliza em seus versos o senso humorístico, a métrica tradicional, a sextilha. Entre tantas de suas poesias interessantes, citamos “Frei Damião de Bozzano no coração do povo,”“O Encontro de Tancredo com Tiradentes no Céu,” “Debate de Lampião com São Pedro” e outros.
Entre alguns dos seus livros, citamos: “Poemas Alternativos”, em parceria com o poeta José de Souza;”“O Comandante do Planeta Médio”; Poesia Liberdade”; “Poemas Iluminados”, “Dois Poetas do Povo e da Viola” em parceria com o poeta Otacílio Batista; “José Lins do Rego em Versos de Cordel”, lançado no Fenart 2001.
Não se pode numa ligeira biografia, dizer da grandeza do poeta Oliveira de Panelas; seu valor transcende. É um poeta que escreve seus versos, é cantador, repentista, que já ecoou ao som de sua viola, de norte ao sul deste imenso país.


Nunca Transforme em Vermelho
O Sinal Verde da Vida

 Oliveira de Panelas*

É louvável quem respeita
Os sinais de advertência
Se a esquerda é preferência
Nunca passe pra direita.
A estrada não foi feita
Pra ser pista de corrida
Ao cruzar a Avenida
Mire-se bem neste espelho
Nunca transforme em vermelho
O sinal verde da vida.

Repare bem o motor,
Viaje com confiança,
O cinto de segurança
Coloque pra onde for,
Examine o extintor,
Se a carga está vencida,
Não se torne um homicida
Por causa deste aparelho
Nunca transforme em vermelho
O sinal verde da vida

Não dirija embriagado,
Evite a fatalidade,
Não corra em velocidade,
Nunca viaje drogado,
Se caso estiver cansado,
Tente achar uma dormida,
Evite numa batida
Ferir mão, braço e joelho.
Nunca transforme em vermelho
O sinal verde da vida.

No congestionamento,
Nunca perca a esportiva,
Dirija na defensiva,
Fique atento ao movimento,
Cuidado como cruzamento
Olhe a faixa proibida,
É grande quem não liquida
Sequer a vida de um coelho
Nunca transforme em vermelho
O sinal verde da vida.

Prossiga a viagem em paz,
Seja feliz no retorno,
Jamais tente com suborno
Comprar os policiais,
Pois um suborno não faz
A vida restituída
Depois da vida perdida
É tarde, não há conselho.
Nunca transforme em vermelho
O sinal verde da vida

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Zé Limeira o Poeta do Absurdo



Zé Limeira (Teixeira, 18861954) foi o cordelista/repentista mais mitológico do Brasil. Era conhecido como Poeta do Absurdo. Nasceu no sitio Tauá, em Teixeira, cidade da Paraíba que foi o principal reduto de repentistas no século XIX.
Os temas que abordava em suas poesias e repentes eram variados e chegavam, muitas vezes, ao delírio. Pornografia era um tema recorrente, mas Zé Limeira ficou conhecido como "Poeta do Absurdo" por suas distorções históricas, poesias recheadas de surrealismo e nonsense, e pelos neologismos esdrúxulos que criava.
Vestia-se de forma berrante, com enormes óculos escuros e anéis em todos os dedos, e saía pelos caminhos de sua vida, cantando e versando.

“Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada.”

O repente, a cantoria e a literatura de cordel são tradições que remontam da Idade Média e que teria sido trazida ao Brasil pelos portugueses lá pelo século XIX, se popularizando no Nordeste, mas especificamente nos Estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. Muitos cantadores se tornaram famosos, mas um deles se destacou por seu comportamento esdrúxulo, um tropicalista pré-cambriano entre os tradicionais cantadores. Eis um pouco da história de Zé Limeira, o poeta do absurdo.
O senhor dos anéis do sertão
Quem viu Zé Limeira ao vivo e a cores testemunhou uma figura ímpar em comportamento e aparência. Usava diversos anéis nos dedos, uma bengala de aroeira, óculos escuros estilo “ray-ban” e um lenço colorido em volta do pescoço. Carregava sempre seu violão adornado com dezenas de fitas multicores, costumava beber “zinebra”, que carregava em seu matulão. Percorria as estradas do sertão a pé, morria de medo de trem – o “embuá de ferro” – e o único veículo no qual subia era carro de boi, que era “abençoado por Deus”. Era de uma excentricidade digna de um astro de rock.
Todavia, o que realmente destacava Zé Limeira dos demais cantadores que freqüentavam feiras e festas era, além de uma voz poderosa, o seu estilo surreal e anárquico, que davam nó em qualquer violeiro que pelejasse com ele, e divertia os presentes. Em suas rimas misturava personagens e cenários bíblicos e históricos com os elementos do sertão, inventando palavras e termos. Natural do município de Teixeira, no sertão da Paraíba, era um verdadeiro pop-star do Nordeste, popular entre os humildes e poderosos, que se divertiam nas pelejas entre ele e o infeliz que o encarasse, já que normalmente o pobre ficava eclipsado pela língua felina e os improvisos malucos do cantador. Ele afirmava que era necessário o fôlego de sete gatos para acompanhá-lo, tanto na cantoria quanto no caminhar – consta que ele caminhava sessenta quilômetros por dia, embreado na caatinga.

O biógrafo do poeta

Orlando Tejo, poeta, advogado e jornalista, natural de Campina Grande, testemunhou ainda jovem muitos dos desafios do qual Limeira participou. Tejo chegou a registrar algumas dessas pelejas em fita, porém todo e qualquer registro feito por ele ou por seus colegas acabou se perdendo, e atualmente não existem gravações da voz de Zé Limeira. Mesmo assim, ele memorizou muito do que ouviu e transcreveu para o papel, garantindo a imortalidade do bardo sertanejo. Seu livro “Zé Limeira – Poeta do Absurdo” é editado desde o início dos anos oitenta.

Algumas estrofes

No livro de Orlando Tejo, ele relata como conheceu Zé Limeira e alguns causos que testemunhou ou que colheu de amigos que testemunharam, inclusive com algumas das cantorias.  Consta, por exemplo, que o governador de Pernambuco, Agamenon Magalhães, promovera no palácio do governo um encontro de repentistas, entre eles os famosos irmãos Batista. Eis que chega ao meio da festa Zé Limeira, que é bem recebido por todos. Ficou famosa a estrofe dedicada à primeira dama, após Otacílio Batista oferecer um brinde a ela em versos:

“Eu cantando pra Dona Antonieta
A muié do Doutor Agamenon,
Fico como o Reis Magro do Sion,
Me coçando na mesma tabuleta.
Eu aqui vou rasgando a caderneta
De Otacílio Batista Patriota…
Doutor, como eu não tenho um brinde em nota,
Que possa oferecer à sua esposa.
Dou-lhe um quilo de merda de raposa
Numa casca de cana piojota.”

Os vultos históricos perambulavam pelo sertão imaginário de Limeira, despidos de qualquer honraria ou reverencia.
O velho Tomé de Souza
Governador da Bahia
Casou-se no mesmo dia
Passou a pica na esposa
Ele fez que nem raposa
Comeu na frente e atrás
E passou pelo caís
Onde o navio trafega
Comeu o padre Nobrega
E os tempos não voltam mais

Napoleão era um
Bom capitão de navio
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.

Pedro Álvares Cabral
inventor do telefone
começou tocar trombone
na Volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
arranjou dois instrumento
daí chegou um sargento
querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
diz o Novo Testamento”

Frei Henrique de Coimbra
Sacerdote sem preguiça
Rezou a primeira missa
Perto de uma cacimba
Um índio passou-lhe a pimba
Ele não quis aceitar
E hoje vive a chorar
Embaixo de um pé de jureme
O bom pescador não teme
As profundezas do mar

Getúlio Vargas morreu
Foi com saudade da esposa,
Lampião inda tá vivo
Morando perto de Sousa
Por detrás do sete-estrelo
tem um casal de raposa.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Plantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá,
Dom Pedro correu pra Iá,
Escanchado num tratô…
Canta, canta, cantadô
Que seu destino é cantá.

Já Jesus Cristo, a Virgem Maria e outros do livro sagrado também foram alvos do iconoclasta poeta. Segue alguns exemplos

“Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram Betelelém,
Chupô cana num engem,
Pediu arrancho num brejo,
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira malhô
Foi que Judas vendeu Jésus!”

“Jesus saiu de Belém,
Viajando pra o Egito,
No seu jumento bonito,
Com uma carga de xerém,
Mais tarde pegou um trem,
Nossa Senhora castiça,
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro,
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!”

“Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.”


“Jesus nasceu em Belém
conseguiu sair dali
passou por Tamataí
por Guarabira também
Nessa viagem de trem
foi parar num entrocamento
Não encontrando aposento
dormiu na casa de um cabo
jantou cuscus com quiabo
diz o Novo Testamento”

“São Pedro, na sacristia,
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom”.

 
A Maldição de Zé Limeira

O Romance da Pavoa Devoradora era uma narrativa pesada sobre as desgraças trazidas pela ave mítica do título, que com seu bico de 36 léguas trousse e traria desgraça ao mundo. Não há registro escrito ou gravado de tal poema, cuja declamação alcançava hora e meia, e deixaria “O Corvo” de Edgar Allan Poe, no chinelo. Havia um tabu para cantar tanta desgraceira: nunca antes de meia-noite, e sempre de olhos fechados. Quem era mais supersticioso ou impressionável acabava abandonando o recinto.  Reza a lenda que, após muita insistência, Zé Limeira quebrara ambos os tabus em uma noite de cantoria na sua própria casa, em Teixeira no ano de 1954, e que pouco depois morre.
Falando em tabus e maldições, Existe uma “maldição” em torno do livro de Orlando Tejo, no qual quem adquire o livro acaba não ficando com ele muito tempo. Ou você empresta e não devolvem ou simplesmente ele “some” de sua estante. Até o autor já foi vítima diversas vezes dessa “maldição”. Eu mesmo já perdi meu exemplar desse livro, que estava nas mãos de meu irmão (que por sua vez o perdeu a um amigo).

Zé Limeira nas Artes

Há quem diga que Zé Limeira é apenas uma lenda inventada por cantadores e poetas, e que tal figura nunca existiu. Como não existem fotos e nem registros gravados, o ceticismo de muitos é forte, e acusam o pobre do Orlando Tejo de ter criado essa figura tão inverossímil.
Mesmo lenda ou fato, Zé Limeira se tornou um ícone da nordestinidade, e outros cantadores reverenciam o mesmo e o transformam em personagem de literatura de cordel, inclusive colocando-o em desafio com Zé Ramalho. Aliás, Zé Ramalho bebeu e bebe na fonte da poesia sertaneja desde os seus primeiros discos, e em Força Verde há uma faixa intitulada Visões de Zé Limeira sobre o final do século XX. O Quinteto Violado lançou em 1979 o disco Pilogamia do Baião, cujo título é inspirado em um dos poemas de Zé Limeira. Mais recentemente, o grupo pernambucano Mestre Ambrósio grava Se Zé Limeira Cantasse Maracatu no disco Fuá na Casa de Cabral. A banda de forró paraibana As Bastianas já executou em shows a música Zé Limeira.com. Mesmo com a cultura popular nordestina em declínio, a imagem

Mais Zé Limeira

Praticamente a única fonte de informação sobre Zé Limeira é o livro de Orlando Tejo, que não é das coisas mais fáceis de encontrar. Na página do autor há dois capítulos em PDF para download. Inclusive um desses capítulos é um dos melhores do livro, no qual Orlando Tejo critica a chamada poesia moderna e os movimentos de vanguarda, usando de muito bom humor e comparando com a poesia de Limeira. Mas caso consiga o livro, muito cuidado com a maldição…

Rogaciano Leite

 Rogaciano Leite,nasceu em Itapetim no sítio Cacimba Nova em 1 de Julho de 1920 e faleceu no Rio de Janeiro em 7 de Outubro de 1969,Filho dos agricultores Manoel Francisco Bezerra e de Maria Rita Serqueira Leite, iniciou a carreira de poeta-violeiro aos 15 anos de idade, quando desafiou, na cidade paraibana de Patos, o cantador Amaro Bernadino.
Em seguida, Rogaciano Leite foi para o Rio Grande do Norte, onde conheceu e iniciou amizade com o renomado poeta recifence Manoel Bandeira. Aos 23 anos de idade mudou-se para Caruaru, no agreste pernambucano, onde apresentou um programa diário de rádio. De Caruaru, seguiu para Fortaleza, onde tornou-se bancário .
Entre 1950 e 1955, Rogaciano residiu nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio casou-se com Maria José Ramos Cavalcante, com quem teve os filhos Rogaciano Filho, Anita Garibaldi, Roberto Lincoln, Helena Roraima, Rosana Cristina e Ricardo Wagner.
Em 1968 deixou o Brasil para uma temporada na França e outros países da Europa . Na Rússia deixou gravado, em monumento na Praça de Moscou, o poema Os Trabalhadores.
Alguns dos poemas mais conhecidos de Rogaciano Leite são Acorda Castro Alves, Dois de Dezembro, Poemas escolhidos, Carne e Alma, Os Trabalhadores e "Eulália. Rogaciano faleceu, de enfarte miocárdio , no Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro. O corpo do poeta está sepultado no cemitério São João Batista, em Fortaleza, Ceará.
Rogaciano Leite foi, ainda, jornalista e era formado em Direito e Letras.
Em dezembro de 2007 foi lançado em pernambuco na cidade de Itapetim pela jornalista Tacianna Lopes o documentário "Reminiscência em Prosa e Versos",o vídeo conta um pouco da história de Rogaciano Leite. Um trabalho inédito, um curta-metragem de aproximadamente 23 minutos e que conta com a particpação de familiares, admiradores e amigos contemporãneos do Poeta,entre eles está o escritor Ariano Suassuna, que junto com Rogaciano na década de 40 foi responsável pela realização do I Congresso de Cantadores Repentistas do Brasil.
Soneto de Rogaciano Leite.
Sorrir e Cantar
Quando falas porque vivo sorrindo
Falas também por viver cantando
Se a vida é bela e se este mundo é lindo
Não há razão para eu viver chorando

Cantar é sempre o que a fazer eu ando
Sorrir é sempre meu prazer infíndo
Se canto e rio,é porque vivo amando
Se amo e canto,é por que vivo rindo.

Se o pranto morre quando nasce o canto
Eu canto e rio pra matar o pranto
E gosto muito de quem canta e rí

Logo bem vês por estes dotes meus
Que quando canto estou pensando em Deus
E quando rio estou pensando em tí.
Rogaciano Leite

Inacio da Catingueira o Escravo Poeta.



Sem sobrenome por ser filho de pai desconhecido, o maior fenômeno da cultura popular de Catingueira, nasceu aos 31 de julho, dia em que a igreja homenageia o Santo Inácio de Loiola, do ano de 1845. Sua Mãe, uma negra africana de nome Catarina, só foi batizada em 1902, pelo Bispo Dom Adauto, época em que já contava 118 anos de idade. Seu genitor, segundo alguns indicativos, era um homem branco, residente na região. Por esse motivo, há quem discorde das informações de que Inácio da Catingueira era puramente negro e sim mestiço, de cor escura mas de pele fina, cabelos corridos, conservando um pequeno cavanhaque e um bigodinho acanhado. Afirmam, que era simpático, de estatura satisfatória, olhos pretos e dispondo de uma voz forte e agradável. Seu instrumento era um pandeiro, que até hoje prevalece nas emboladas de coco, enfeitado com um laço de fita, guizos de prata de dois mil réis e tampo de couro cru, retinindo a cadência de seus versos quentes e empolgantes.
O nome em destaque nasceu no Sítio Marrecas, como escravo de Manoel Luiz de Abreu mas, também, foi cativo por herança de Francisco Fidié Rodrigues de Sousa, genro do mesmo. No inventário, Inácio da Catingueira, constou como bem, em valor de valor de 1.200$000 (um conto e duzentos mil réis). Tal partilha foi procedida na residência do senhor Nicolau Lopes da Silva, filho da viúva Ana Joaquina da Silva, em 13 de fevereiro de 1875, oportunidade em que Inácio da Catingueira já contava 30 anos de idade e era considerado um imenso bem humano. No dia 22 de março, em seguida à partilha, o inventário foi homologado pelo Juiz, Dr. João Tavares de Melo Cavalcante Filho. O Histórico documento encerrou-se com distribuição das custas aos serventuários da justiça, em 21 de abril do mesmo ano.

Inácio da Catingueira, que analfabeto, teve como grande trunfo para conseguir a liberdade, o talento poético, com o qual sensibilizou o seu senhor. Não chegava a ser impedido de se ausentar da morada para qualquer viagem, por mais que demorasse e, ainda por cima, era dono de tudo o que conseguia como humildade artista.

O acontecimento que o tornou conhecido é tido também, como a maior peleja entre dois cantores já ocorrida na região. O desafiante seria outro poeta, não escravo e já afamado, conhecido por Romano da Mãe D água e tal embate se daria na cidade de Patos. Contudo, a primeira vez que se deparou, com aquele que seria um parceiro por muito tempo, registrou-se na casa de Firmino Aires, oportunidade em que se fazia acompanhar de um grupo proveniente de sua terra. O objetivo era apenas conhecer, o homem tido como grande mestre. Levando para a presença do Rei dos Cantores, empunhando o seu pandeiro, o negro saiu -se com essa:

Senhores que aqui estão
Me tirem de um engano
Me apontem com o dedo
Quem é Francisco Romano
Pois eu ando no seu piso
Já não sei a quantos anos
Surpreendido,

Romano devolveu-lhe o seguinte verso:

Senhor me diga o seu nome
Que eu quero ser sabedor
Se é solteiro ou casado
Aonde é morador
Se acaso for cativo,
diga quem é seu senhor

Sem qualquer rodeio Inácio finalizou:

Seu Romano eu sou cativo
Do senhor Mane Luiz
Sou solteiro, de palavra
Que só sustenta o que diz
Inácio da Catingueira
Sou um escravo feliz.

O célebre desafio entre os dois cantadores e que sagrou Inácio o campeão inconteste, durou oito dias, garantindo público, em Praça Pública de Patos, nas redondezas da tradicional feira, proximidades da Igreja da Conceição. A partir daí, por onde passava a dupla arregimentava verdadeiras multidões.

Inácio da Catingueira veio a falecer acometido de Pneumonia, em conseqüência de trabalhos no campo, época da queima de brocas, com pouco de trinta e três anos de idade. Seu corpo não foi sepultado na Fazenda, como de praxe faziam com os escravos. Repousa em uma Praça, no centro da cidade, a qual leva o seu nome, tendo, inclusive, uma estátua em sua homenagem. Em vida já manifestava o temor da certeza de que um dia deixaria a sua terra querida, a dedicou quase todos os temas dos seus improvisos, antecipando o espírito saudoso, em versos como este:

Tenho pena de deixar
A Serra da Catingueira
A Fazenda Bela Vista
A maior dessa ribeira
O Riacho do Poção,
As quebradas do Teixeira.

São lições como esta que conseguem ampliar, cada vez mais, a genialidade de Catingueira, mostrando que é a humildade a maior das virtudes. Passaram-se quase 123 anos da morte do fenômeno e a poeira do tempo não conseguiu sequer embaçar, na memória do povo, a lembrança de Inácio, sempre atrelada ao nome de sua terra. Foi um grande exemplo que resistiu a todas as intempéries para mostrar que a grandiosidade não está contida no que se tem, mas naquilo que se consegue como conquista do esforço próprio. Pitadas de sofrimento, determinação e coragem, como ingredientes da maior culinária humana.

Otacílio Batista Orgulho da poesia Pernambucana.



Poeta repentista, o mais novo dos três famosos irmãos Batista (além dele, Louro e Dimas), Otacílio Batista Patriota nasceu a 26 de setembro de 1923, na Vila Umburanas, São José do Egito, sertão pernambucano do Alto Pajeú.
Filho de Raimundo Joaquim Patriota e Severina Guedes Patriota, ambos paraibanos, Otacílio participou pela primeira vez de uma cantoria em 1940, durante uma Festa de Reis em sua cidade natal. Daquele dia em diante, nunca mais abandonaria a vida de poeta popular.
Em mais de meio século de repentes, participou de cantorias com celebridades como o Cego Aderaldo e outros. Conquistou vários festivais de cantadores realizados nos estado de Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo.
Entre os folhetos de Cordel que Otacílio publicou estão os seguintes: A Morte do Ex-Governador Dix-Sept Rosado; Versos a Câmara Cascudo; Peleja de Zé Limeira com Zé Mandioca; Peleja do Imperador Pedro II com o Rei Pelé. Todos consagrados junto aos leitores nordestinos.
Otacílio Batista publicou, ainda, vários livros. Entre os quais, destacam-se: Poemas que o Povo Pede; Rir Até Cair de Costas; Poema e Canções; e Antologia Ilustrada dos Cantadores, este último com F. Linhares. Versos de Otacílio foram musicados pelo compositor Zé Ramalho, dando origem à canção “Mulher Nova Bonita e Carinhosa”, gravada inicialmente pela cantora Amelinha e depois pelo próprio Zé Ramalho. A canção foi tema de uma filme brasileiro sobre Lampião, o Rei do Cangaço.
Otacílio Batista Patriota morreu a 05 de agosto de 2003, na cidade de João Pessoa, Paraíba.
MULHER NOVA, BONITA E CARINHOSA

Otacílio Batista

Numa luta de gregos e troianos
Por Helena, a mulher de Menelau
Conta a história de um cavalo de pau
Terminava uma guerra de dez anos
Menelau, o maior dos espartanos
Venceu Páris, o grande sedutor
Humilhando a família de Heitor
Em defesa da honra caprichosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor


Alexandre figura desumana
Fundador da famosa Alexandria
Conquistava na Grécia e destruía
Quase toda a população Tebana
A beleza atrativa de Roxana
Dominava o maior conquistador
E depois de vencê-la, o vencedor
Entregou-se à pagã mais que formosa
Mulher nova bonita e carinhosa
Faz um homem gemer sem sentir dor


A mulher tem na face dois brilhantes
Condutores fiéis do seu destino
Quem não ama o sorriso feminino
Desconhece a poesia de Cervantes
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a mulher mimosa flor
A história seria mentirosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor


Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Versos a meus filhos

Rafa, o seu sorriso
Transforma o meu viver
Minha vida tem sentido
Eu deixo transparecer
O amor e a amizade
Que eu sinto por você
2
Julie, é uma flor
Que brotou no meu jardim
È minha filha amada
Guardada dentro de mim
Estarei jutinho dela
Do começo até o fim.
3
Saulinho o meu Amor
Por você é imortal
Não viverei sem você
Isso pra mim é fatal
Conte sempre com seu Pai
Pois você é o meu Sal.
4
Caína, minha neném
É amor é alegria
É o Sol do meu caminho
Clareando o meu dia
Não enxergo minha vida
Sem a sua companhia.

Versos  a Minha Mãe
1
Mãe deixou muita saudade
E levou o seu amor
Demonstrou o seu valor
Na sua simplicidade
Falava sempre a verdade
Com toda sua emoção
Doava de coração
Tudo que Jesus lhe deu
A BELA FLOR DE ALGODÃO
ENTRE O CARNAUBAL SE ERGUEU
SE ESPALHOU, SE FEZ ROSINA
NO SOLO QUE LHE ACOLHEU.
2
Apesar de tão sofrida
Era pessoa serena
Na sua vida terrena
Era forte, decidida.
Atuante, prevenida.
E tinha muita ação
Do grande profeta João
Falava tudo que leu
A BELA FLOR DE ALGODÃO
ENTRE O CARNAUBAL SE ERGUEU
SE ESPALHOU, SE FEZ ROSINA
NO SOLO QUE LHE ACOLHEU.
3
Veio então o casamento
Na sua plena juventude
Ela demonstrou virtude
Na voz do seu juramento
Tinha pois conhecimento
Da sua grande paixão
Com toda convicção
Que isso tudo lhe valeu
A BELA FLOR DE ALGODÃO
ENTRE O CARNAUBAL SE ERGUEU
SE ESPALHOU, SE FEZ ROSINA
NO SOLO QUE LHE ACOLHEU.
4
Onze filhos bem criados
Por uma mãe dedicada
Cuidava da meninada
Éramos mesmo bem cuidados
Fomos todos muito amados
No seu grande CORAÇÃO
E não havia distinção
Nos filhos que Deus lhe deu
A BELA FLOR DE ALGODÃO
ENTRE O CARNAUBAL SE ERGUEU
SE ESPALHOU, SE FEZ ROSINA
NO SOLO QUE LHE ACOLHEU.
5
Ao lado do seu marido
Mulher, também provedora
Como jovem professora
Seu sonho foi perseguido
Pai era reconhecido
Das Capitais ao Sertão
Ganhava pouco tostão
Pois para cantar nasceu
A BELA FLOR DE ALGODÃO
ENTRE O CARNAUBAL SE ERGUEU
SE ESPALHOU, SE FEZ ROSINA
NO SOLO QUE LHE ACOLHEU.
6
Hoje guardo na lembrança
O seu rosto de ternura
Além da sua alma pura
Parecendo uma criança
Eu sentia confiança
Ao pegar em sua mão
E não tinha aflição
Quando estava ao lado seu
A BELA FLOR DE ALGODÃO
ENTRE O CARNAUBAL SE ERGUEU
SE ESPALHOU, SE FEZ ROSINA
NO SOLO QUE LHE ACOLHEU.

O genial Zé Catota


José Lopes Neto nasceu no Riachão, município de São José do Egito, em 05 de agosto de 1917.
Filho de José Lopes Filho e de Euflasina Maria da Conceição, o popular Zé Catota fez do improviso sua marca registrada, o que lhe rendeu o reconhecimento da imprensa pernambucana, aparição no Fantástico e a gravação de especiais para televisões da França e da Holanda.
Seu domínio com a poesia e a viola rendeu-lhe o título de Metralhadora do Repente.
Há pouco tempo, em sua casa modesta na cidade de São José, o poeta foi perguntado, por um eventual visitante, quais dos cantadores antigos ainda restavam pra contar a historia da poesia, o mestre respondeu com um improviso:

O genial Zé Catota, poeta quase centenário, mora em São José do Egito, praticamente esquecido, sem o devido reconhecimento a sua grandeza poética. Como todo grande poeta que atinge uma idade avançada, para quem viveu a boemia, o mestre só se comunica através de versos improvisados. Não fala mais, só improvisa. A pouco tempo, em sua casa modesta num bairro periférico de São José, foi perguntado, por um eventual visitante, quais dos cantadores antigos ainda restavam pra contar a historia da poesia, o mestre desfila sua magoa em mais um improviso impagável;

Dos cantadores antigos
Tem eu e Pedro Amorim
Eu aqui em São José
Pedro lá em Itapetim
Por lá ninguém lembra dele
Aqui esquecem de mim.

Como diria Pinto do Monteiro, “A cascavel do repente”, “Poeta é aquele que tira de onde não tem e bota aonde não cabe”.

Até nas flores se vê
A diferença da sorte
Umas enfeitam a vida
Outras enfeitam a morte".



Zé Catotaa sextilha em que o mestre pega na deixa um verso do cantador Expedito Sobrinho:

"Em breve irei açoitar
Os vates do pajeú".


Zé Catota disse:

Saia de Caruaru,
Passe pelo Moxotó,
Vá açoitar os poetas
De Patos a Piancó,
Na volta, apanhe dos três:
Louro, Zé Catota e Jó.


cantando com Pedro Amorim, quando este improvisou a sextilha:

Vivo muito bem na vida
E tu vives atrasado.
Possuo fazenda, açude
E cana do outro lado.
Tu só tens um Jeep velho,
Além de velho, quebrado.


Zé Catota disse:

Chamar fazenda sem gado,
Eu acho melhor que deixe;
A sua cana cortada
Talvez não dê nem um feixe.
Esse açude de que fala,
Tem mais dono do que peixe.



Manoel Xudu ( A Lenda do Repente)



Os chamados, “ouvintes de cantoria”, que também são poetas, apesar de não fabricarem os versos, exercem, e como exercem, uma cumplicidade com os cantadores. Eles sabem das histórias dos poetas, declamam seus versos de pé-de-parede, passam pra frente além de ter um passado histórico de imortalizar os vates mais consagrados. Ainda tem um detalhe fundamental relacionado à categoria dos “ouvintes”: eles inspiram os cantadores no momento em que criam os motes já com uma dosagem forte de um poema. Quando Manoel Filó dá o mote: - Uma gota de pranto molha o riso/ Quando o preso recebe a liberdade. Ou então: - O espinho é o vigia/Da inocência da flor. Eis aí, uma possibilidade real do cantador se inspirar, para produzir “pérolas”.
Manoel Xudu Sobrinho foi um homem simples, generoso, eternamente, cavalheiro, incapaz de um ato ríspido, mesmo nas horas em que sua tranqüilidade corresse o risco de ser ameaçada. Nem por isso deixou de ser um poeta atormentado, de permeio, entre “o mundo e o nada”, o pranto e o riso. Natural da cidade de Pilar, na Paraíba, conterrâneo de José Lins do Rego e de João Lourenço, violeiro em plena atividade profissional.
“A obra de Xudu exige um conhecimento maior desse gênio do repente. Cada estrofe é um monumento de Arte, a expressar uma cascata de emoções que despenca em uma alma profundamente humanística”.
Xudu preenche as exigências da categoria, no que concerne, o cantador, o poeta, e o repentista. O cantador canta em qualquer estilo, atende ao mercado, espreita os acontecimentos diários. O poeta não se explica, graças a Deus! Tudo tende à emoção. É o Arquiteto dos sonhos e da metáfora. O repentista é simplesmente maravilhoso! É a marca registrada do repente. É quem pega o fato no ar, muitas vezes sem saber nem o que vai dizer. Ele pega de bote.
Xudu era tudo isso, dentro de uma simplicidade tamanha, ele abordava os temas mais profundos, com a maior presteza:
          A MULHER QUE EU CASEI
          ALÉM DE LINDA É BREJEIRA
          DAQUELAS QUE VAI À MISSA
          NO DOMINGO E TERÇA-FEIRA
          DAS QUE FAZ UMA SOMBRINHA
          COM UM PÉ DE CARRAPATEIRA.
A arte do improviso alimentava corpo e alma deste poeta, do “Pilar”. Bom tocador de viola, o que é um tanto raro dentre os repentistas. Ele e Severino Ferreira quando se deparavam, o “cancão piava”, no desafio só de viola. Gostava de uma “branquinha”. Meu Deus! Às vezes os próprios colegas o prendiam num quarto, até de motel, contanto que ele estivesse bom para o desafio noturno dos “Festivais”.
Xudu colocava a mulher em uma sextilha, onde ela era cúmplice dele, e ainda era quem dava a “chave”. Mas, isso não bonito?
          EU ESTAVA NA PRECISÃO
          QUANDO ME CASEI COM NITA
          NADA TINHA PRA LHE DAR
          DEI-LHE UM VESTIDO CHITA
          ELA OLHOU SORRINDO E DISSE
          OH! QUE FAZENDA BONITA!
Mas, por falar em mulher, nada melhor do que chamar Xudu. Claro, todos somos Freudianos:
          MAMÃE QUE ME DAVA PAPA
          ME DAVA PÃO E CONSOLO
          DAVA CAFÉ DAVA BOLO
          LEITE FERVIDO E GARAPA
          MAS UMA VEZ DEU-ME UM TAPA
          E DEPOIS SE ARREPENDEU
          BEIJOU AONDE BATEU
          DESMANCHOU A INCHAÇÃO
          “QUEM NÃO TEM MÃE TEM RAZÃO
          DE CHORAR O QUE PERDEU”.
E então? Veremos agora, o Xudu autobiográfico. Revelando uma trajetória de vida no sacrifício, na porrada. Particularmente, nunca tinha visto uma autobiografia, tão sincera, com todas as etapas da vida do poeta. Genial:
          DIA 13 DE MARÇO TERÇA-FEIRA
          ANO MIL NOVECENTOS TRINTA E DOIS
          POUCO TEMPO DEPOIS QUE O SOL SE PÔS
          MAMÃE DAVA GEMIDOS NA ESTEIRA
          NUMA CASA DE BARRO E DE MADEIRA
          MUITO HUMILDE COBERTA DE CAPIM
          EU NASCI PRA VIVER SOFRENDO ASSIM
          MINHA DOR VEM DOS TEMPOS DE MENINO
          VIVO TRISTE POR CAUSA DO DESTINO
          E A SAUDADE CORRENDO ATRÁS DE MIM.
Daqui vai um alerta para aqueles que conhecem outras versões de alguns versos que por acaso constem nesta matéria. É que, os próprios ouvintes de cantoria, os cantadores, os livros (e são muitos), têm versões diferentes, no que concerne às mudanças constantes nas linhas ou estrofes, ou até relacionados à autoria de um verso. Eu mesmo, já presenciei contradições de versos dentro da casa do próprio Lourival Batista, cuja autoria era atribuída a ele. Isso é literatura oral. Portanto, o mais importante, é que ao alterarem estrofes dos versos, nunca se fere o princípio básico do que o autor quis passar para os ouvintes. Na sextilha do poeta, João Paraibano: - Eu estava no sertão/ Balançando em minha rede/ Vendo o açude vazio/ Com dois rachões na parede/ E as abelhas no velório/ Da flor que morreu de sede. Pois bem, este açude, coitado! Nessas alturas, já vai com mais 100 rachões na parede...
Manoel Xudu tinha o olho biônico. Seus versos eram recheados de carinho, paixão, desde quando necessários. O mote que ele recebeu, foi o seguinte: Pode ir lá que está gravado/ O nome de Ana Maria:
          O NOME DA MINHA AMADA
          ESCREVI COM EMOÇÃO
          NA PALMA DA MINHA MÃO
          NO CABO DA MINHA ENXADA
          NO BATENTE DA CALÇADA
          E NO FUNDO DA BACIA
          NA CASCA DA MELANCIA
          MAIS GROSSA DO MEU ROÇADO
          “PODE IR LÁ QUE ESTÁ GRAVADO
          O NOME DE ANA MARIA.
E agora? Agora vamos terminar esse papo, com Manoel Xudu Kafkiano. Pôxa! E Xudu sabia o que era Surrealismo? Então, para os leitores mais engajados:
          A PRISÃO ONDE ESTAVAM OS CONDENADOS
          NA ANTIGA CIDADE DE BEZETA
          ERA TODA PINTADA À TINTA PRETA
          E TRANCADA POR FORTES CADEADOS
          GUARNECIDA POR TRINTA E DOIS SOLDADOS
          CADA UM COM DOIS METROS DE ALTURA
          E ALÉM DE SE LER A AMARGURA
          NO SEMBLANTE DAS MUDAS SENTINELAS
          QUEM OLHASSE PRAS GRADES DAS JANELAS
          TAVA VENDO O RETRATO DAS TORTURAS.

Conhecendo a História de Lourival Batista Patriota ( Louro do Pajéu)


Lourival Batista Patriota, também chamado "Louro do Pajeú", passou para a história da Cantoria de Viola como o "rei do trocadilho". Era o mais velho da trinca de irmãos repentistas complementada por Dimas e pelo mestre Otacílio, recentemente falecido. Louro era uma surpresa para os que pensam que os cantadores nordestinos são talentos brutos, intocados pela cultura urbana.

Os Batista, como muitos grandes violeiros, tiveram variadas leituras e cuidadoso aprendizado. Não perderam as raízes sertanejas, mas fizeram versos em pé de igualdade com os dos poetas das cidades.

Louro nasceu em São José do Egito, sertão de Pernambuco, a 06 de janeiro de 1915. Concluiu o curso ginasial em 1933, no Recife, de onde saiu com a viola nas costas, para fazer cantorias. Foi um dos mais afamados poetas populares do Nordeste e, além da cantoria, a outra única atividade que exerceu foi a de banqueiro de jogo do bicho, mas sem sucesso.

Irmão de outros dois repentistas famosos (Dimas e Otacílio Batista) e genro do poeta Antônio Marinho (a "Águia do sertão"), foi um dos grandes parceiros do paraibano Pinto do Monteiro. Satírico e rápido no improviso, era temido por seus competidores.

Certa vez, em resposta a Canhotinho, companheiro de cantoria, que terminou sua estrofe dizendo: Já sinto o peso dos anos / querendo roubar-me a paz.

Louro pagou assim:Eu já não suporto mais
Do tempo tantas revoltas
Prazer, por que não me prendes?
Mágoa, por que não me soltas?
Presente, por que não foges?
Passado, por que não voltas?

Outro dia, louro duelava com o jovem cantador Adauto Ferreira, que terminou seus versos dizendo: Está fazendo 30 dias / Que estou cantando à toa.

Lourival respondeu:Sua vida inda está boa
A minha é que está ruim
Que você tá no começo,
Eu já tô perto do fim;
Tô perto de ficar longe
De quem tá perto de mim.

De outra feita, um repentista que com Louro participava de uma cantoria, terminou seus versos da seguinte maneira: "Sou igualmente ao Dragão / Do Rio Negro falado".

Louro respondeu:"Pra ser dragão tás errado
Mas Lourivá já te explica
Tira letra, apaga letra
Tira letra e metrifica
Tira o "d", apaga o "r"
Bota o "c" e vê como fica".

Louro morreu em São José do Egito, a 05 de dezembro de 1992. O poeta Dedé Monteiro lhe dedicou estes últimos versos:
Imitar seu estilo e rapidez,
dando ao verso o poder de ir e vir,

muito vate tentou sem conseguir,
pelo menos do jeito que ele fez.
Eram três os irmãos, mas desses três,
no repente, só um se eletrizou…
muita gente também trocadilhou,
mas ninguém com igual facilidade.
São José escurece outra metade,
que o repente de Louro iluminou.

Não morreu o valor da região,
mas morreu sua "jóia" predileta;
não morreu a lembrança do poeta,
mas morreu um herói da profissão;
não morreu a tristeza do sertão,
mas morreu quem tão bem o decantou;
não morreu a saudade que ficou,
mas morreu quem provoca essa saudade.
São José escurece outra metade,
que o repente de Louro iluminou.

Alguns livros que trazem poemas e textos sobre o poeta:Roteiro de Velho Cantadores e Poetas Populares do Sertão, de Luís Wilson, Centro de Estudos de História Municipal, Recife, 1986;
Antologia Didática de Poetas Pernambucanos, (organizadores: Cremilda Aquino de Matos, Ésio Rafael e Isabel Maria Martins da Silva), Governo de Pernambuco, Secretaria de Educação, 1988;
Um Certo Louro do Pajeú (Uma Reportagem), Alberto da Cunha Melo, EDUFRN – Editora da UFRN, Natal, 2001;
Lourival Batista Patriota, Ivo Mascena Veras, CEPE, Recife 2004;
Pernambuco, terra da poesia (organizada por Antônio Campos e Cláudia Cordeiro) – IMC/Escrituras, 2005.


 

História do Maior Poeta Repentista de Todos os Tempos, Severino Lourenço da Silva Pinto (Pinto de Monteiro).


Pinto do Monteiro nasceu em 21 de Novembro de 1895 no sítio Carnaubinha, no município de Monteiro, interior da Paraíba. Começou a cantar aos 24 anos de idade, antes de embrenhar na profissão de cantador foi vaqueiro e soldado de polícia do Estado da Paraíba. Nas suas andanças como cantador foi ganhando fama e se tornando o grande mito que até hoje permanece, sendo reconhecido como o maior cantador de todos os tempos.

Com uma inteligência colossal, junto a uma enorme capacidade de improviso e ainda uma velocidade espantosa, Pinto, como é conhecido, assombrava os cantadores que o acompanhava nas pelejas, e deixava plateias em polvorosa com respostas irreverentes e rápidas.
Pinto fez algumas parcerias memoráveis, como por exemplo, com os grandes poetas Lourival Batista e João Furiba. Percorreu o Brasil, deixando rastros de poesia e genialidade por onde passava, chegou a cantar para o presidente Marechal Eurico Gaspar Dutra, sempre carregando consigo a essência do homem do sertão.

Morreu em 28 de Outubro de 1990, aos 94 anos de idade, na cidade de Monteiro, na casa de um amigo, em situação de extrema pobreza, mostrando a falta de reconhecimento de um povo que não tem idéia do gênio que era Pinto do Monteiro.



Agora vamos saborear alguns versos que foram improvisados por Pinto, nas mais diversas ocasiões, com os mais diversos cantadores.

.Aos 93 anos de idade, Pinto foi visitado pelo amigo e parceiro de profissão João Furiba, mesmo já próximo da morte mostrou porque sempre será o mito, improvisando essa sextilha:

Eu não imaginaria
Que você chegasse agora
Pra mim foi uma surpresa
Obtive uma melhora
Mas sei que vou piorar
Quando você for embora

.Certa vez cantando com o mesmo "Furiba", este criticou de forma desrespeitosa a cidade de Monteiro, Pinto que também conhecia a cidade onde "Furiba" nasceu retrucou:

Eu conheço muito bem
A sua Taquaritinga
Em cima fica uma serra
Em baixo uma caatinga
Na parte alta não chove
No pé da serra não pinga

.Noutra oportunidade, Pinto cantava com Lourival Batista, e assim improvisou:

Eu andando certo dia
Nas terras do Seridó
Tive o prazer de almoçar
Na fazenda de codó
Comi até me fartar
Da traíra o mocotó

Lourival Batista sabendo que traíra é um peixe respondeu:

Houve muitos pescadores
De Adão até Jacó
De jacó até moisés
De Moisés a Faraó
Mas nunca houve quem visse
Traíra com mocotó

Pinto, esbanjando inteligência e velocidade de raciocínio disse:

Era uma vaca cotó
Da fazenda Passira
Mataram e eu comi dela
A qual chamavam Traíra
Agora você me diga
Se é verdade ou é mentira

.Certa vez Lourival observando as vestimentas de Pinto terminou uma sextilha dizendo: "Pinto você canta muito/ E a roupa num vale nada". Pinto responde:

É verdade camarada
O que você tá dizendo
Eu costumo andar assim
Sujo e cheio de remendo
Mas ninguém diz onde passo
Pinto ficou me devendo

. Na mesma cantoria Lourival termina uma estrofe improvisando: "Meu verso é um bacamarte/ Nas mãos de um sujeito afoito". Pinto com maestria responde:

O meu é um trinta e oito
Na mão de um cabra valente
Bola cheia, cano longo
Queixa atrás, mira na frente
O queixa quebrando as balas
E as balas matando gente

.Mais adiante, Lourival termina uma estrofe dizendo: "Pinto não serve pra nada/ É pinto mas não se zanga". Pinto responde:

Pois se vire numa franga
Que eu quero pega-lo agora
Os pés sustentando o corpo
As asas fazendo escora
O bico ferrando a crista
O resto eu digo outra hora

.Furiba cantando com Pinto, faz menção a sua terra dizendo no fim de uma sextilha: "Tudo que se planta dá/ Na minha terra adorada". Pinto bombardeia:

Tua terra miserável
Só tem cupim e saúva
Teu pai morreu com cem anos
Tua mãe ficou viúva
Passou dos cento e quarenta
E nunca viu uma chuva

.Furiba certa vez terminou uma estrofe dizendo: "Deixe pra mim que só tenho/ Dezoito anos de idade". Pinto cansado das pabulagens de Furiba faz essa sextilha:

Isso aí não é verdade
Você quer ser inocente
Tem vinte anos que canta
Quinze que bebe aguardente
Trinta que engana o povo
Quarenta e cinco que mente

.Numa cantoria Furiba provoca: " Pinto velho do Monteiro/ Além de doido está cego". O gênio não deixa por menos e responde:

Ainda lhe vejo cego
Sem ganhar nenhum vintém
Pedindo esmola num beco
Onde não passe ninguém
Se passar, seja outro cego
Pedindo esmola também

.Pinto cantando sobre o exôdo rural do Nordeste fez essa bela sextilha:

Os homens do meu Nordeste
Estão desaparecidos
Nas estradas de São Paulo
Os caminhões entupidos
Conduzindo os enganados
Trazendo os arrependidos

.Cantando com Louro Branco, o gênero da cantoria chamado mourão a desafio. Pinto começa:

No mourão a tira-couro
Vou mata-lo no cacete

Louro responde:

Entro no bico do Pinto
Vou sair no "tamburete"

Pinto da o tiro de misericórdia:

Mas a coisa é diferente
Você entra como gente
Vai sair como tolete

Cantando com Furiba, este tinha acabado de chegar do Rio de Janeiro, e improvisa algo elogiando o povo carioca. Pinto com a sinceridade perturbadora de sempre, improvisa:

O que eu vi na guanabra
Foi "nêgo" descendo morro
Desastre no meio da rua
Gente no pronto-socorro
Ladrão batendo carteira
Mulher puxando cachorro

Cantando com Otacílio Batista, este improvisa uma sextilha enfatisando a boca banguela de Pinto, ao que Pinto responde que ao chegar na velhice o mesmo iria acontecer com ele, Otacílio então termina uma estrofe dizendo: "Quando chegar esse tempo/ O senhor já tem morrido", Pinto despeja esse improviso por cima de Otacílio:

Mas meu espírito envolvido
Muito além da sepultura
Irá vagar pelo mundo
Somente a tua procura
Até que um dia te veja
Cantando sem dentadura

Por fim uma estrofe do trabalho escrito por Pinto, chamado: Porque deixei de cantar

Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio tonta
Quem for novo tome conta
Cantar não é mais pra mim

Entendendo a Poesia de cordel


Poesia de cordel é um tipo de poema popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel, expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome originado em Portugal, que tinha a tradição de pendurar folhetos em barbantes. No Nordeste do Brasil, o nome foi herdado (embora o povo chame esta manifestação de folheto), mas a tradição do barbante não perpetuou. Ou seja, o folheto brasileiro poderia ou não estar exposto em barbantes. São escritos em forma rimada e alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, como também fazem leituras ou declamações muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradore

História
A história da literatura de cordel começa com o romanceiro luso-holandês da Idade Contemporânea e do Renascimento. O nome cordel está ligado à forma de comercialização desses folhetos em Portugal, onde eram pendurados em cordões, chamados de cordéis. Inicialmente, eles também continham peças de teatro, como as de autoria de Gil Vicente (1465-1536). Foram os portugueses que introduziram o cordel no Brasil desde o início da colonização. Na segunda metade do século XIX começaram as impressões de folhetos brasileiros, com suas características próprias. Os temas incluem fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas , temas religiosos, entre muitos outros. As façanhas do cangaceiro Lampião (Virgulino Ferreira da Silva, 1900-1938) e o suicídio do presidente Getúlio Vargas (1883-1954) são alguns dos assuntos de cordéis que tiveram maior tiragem no passado. Não há limite para a criação de temas dos folhetos. Praticamente todo e qualquer assunto pode virar cordel nas mãos de um poeta competente.
No Brasil, a literatura de cordel é produção típica do Nordeste, sobretudo nos estados de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Costumava ser vendida em mercados e feiras pelos próprios autores. Hoje também se faz presente em outros Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O cordel hoje é vendido em feiras culturais, casas de cultura, livrarias e nas apresentações dos cordelistas.
Os poetas Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e João Martins de Athayde (1880-1959) estão entre os principais autores do passado.[1]
Todavia, este tipo de literatura apresenta vários aspectos interessantes e dignos de destaque:
  • As suas gravuras, chamadas xilogravuras, representam um importante espólio do imaginário popular;
  • Pelo fato de funcionar como divulgadora da arte do cotidiano, das tradições populares e dos autores locais (lembre-se a vitalidade deste gênero ainda no nordeste do Brasil), a literatura de cordel é de inestimável importância na manutenção das identidades locais e das tradições literárias regionais, contribuindo para a perpetuação do folclore brasileiro;
  • Pelo fato de poderem ser lidas em sessões públicas e de atingirem um número elevado de exemplares distribuídos, ajudam na disseminação de hábitos de leitura e lutam contra o analfabetismo;
  • A tipologia de assuntos que cobrem, crítica social e política e textos de opinião, elevam a literatura de cordel ao estandarte de obras de teor didático e educativo.
Poética
Quadra
Estrofe de quatro versos. A quadra iniciou o cordel, mas hoje não é mais utilizada pelos cordelistas. Porém as estrofes de quatro versos ainda são muito utilizadas em outros estilos de poesia sertaneja, como a matuta, a caipira, a embolada, entre outros.
A quadra é mais usada com sete sílabas. Obrigatoriamente tem que haver rima em dois versos (linhas). Cada poeta tem seu estilo. Um usa rimar a segunda com a quarta. Exemplo:
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá (2)
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá (4).
Outro prefere rimar todas as linhas, alternando ou saltando. Pode ser a primeira com a terceira e a segunda com a quarta, ou a primeira com a quarta e a segunda com a terceira. Vejamos estes exemplos de Zé da Luz: (ABAB ou ABBA)
E nesta constante lida
Na luta de vida e morte
O sertão é a própria vida
Do sertanejo do Norte
Três muié, três irimã,
Três cachorra da mulesta
Eu vi nun dia de festa
No lugar Puxinanã.
Sextilha
É a mais conhecida. Estrofe ou estância de seis versos. Estrofe de seis versos de sete sílabas, com o segundo, o quarto e o sexto rimados; verso de seis pés, colcheia, repente. Estilo muito usado nas cantorias, onde os cantadores fazem alusão a qualquer tema ou evento e usando o ritmo de baião. Exemplo:
Quem inventou esse "S"
Com que se escreve saudade
Foi o mesmo que inventou
O "F" da falsidade
E o mesmo que fez o "I"
Da minha infelicidade
Septilha
Estrofe (rara) de sete versos; setena (de sete em sete). Estilo muito usado por Zé Limeira, o Poeta do Absurdo.
Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraiba falada
Cantando nas escrituras
Saudando o pai da coaiada
A lua branca alumia
Jesus, Jose e Maria
Três anjos na farinhada.
Napoleão era um
Bom capitão de navio
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.
Na septilha usa-se o estilo de rimar os segundo, quarto e sétimo versos e o quinto com o sexto, podendo deixar livres o primeiro e o terceiro.
Oitava
Estrofe ou estância (grupo de versos que apresentam, comumente, sentido completo) de oito versos: oito-pés-em-quadrão. Oitavas-a-quadrão. Como o nome já sugere, a oitava é composta de oito versos (duas quadras), com sete sílabas. A rima na oitava difere das outras. O poeta usa rimar a primeira com a segunda e terceira, a quarta com a quinta e oitava e a sexta com a sétima.
Quadrão
Oitava na poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo, e o quinto, o sexto e o sétimo também entre si.
Todas as estrofes são encerradas com o verso: Nos oito pés a quadrão. Vejamos versos de uma contaria entre José Gonçalves e Zé Limeira: - (AAABBCCB)
Gonçalves:
Eu canto com Zé Limeira
Rei dos vates do Teixeira
Nesta noite prazenteira
Da lua sob o clarão
Sentindo no coração
A alegria deste canto *
Por isso é que eu canto tanto *
NOS OITO PÉS A QUADRÃO
Limeira:
Eu sou Zé Limeira e tanto
Cantando por todo canto
Frei Damião já é santo
Dizendo a santa missão
Espinhaço e gangão
Batata de fim de rama *
Remédio de velho é cama *
NOS OITO PÉS A QUADRÃO.
Décima
Estrofe de dez versos, com dez ou sete sílabas, cujo esquema rimático é, mais comumente, ABBAACCDDC, empregada sobretudo na glosa dos motes, conquanto se use igualmente nas pelejas e, com menos frequência, no corpo dos romances.
Geralmente nas pelejas é dado um mote para que os violeiros se desdobrem sobre o mesmo. Vejamos e exemplo com José Alves Sobrinho e Zé Limeira:
  • Mote:
VOCÊ HOJE ME PAGA O QUE TEM FEITO
COM OS POETAS MAIS FRACOS DO QUE EU.
  • Sobrinho:
Vou lhe avisar agora Zé Limeira <A
Dizem que quem avisa amigo é >B
Vou lhe amarrar agora a mão e o pé >B
E lhe atirar naquela capoeira <A
Pra você não dizer tanta besteira <A
Nesta noite em que Deus nos acolheu >C
Você hoje se esquece que nasceu >C
E se lembra que eu sou bom e perfeito >D
Você hoje me paga o que tem feito >D
Com os poetas mais fracos do que eu. >C
  • Zé Limeira:
Mais de trinta da sua qualistria
Não me faz eu correr nem ter sobrosso
Eu agarro a tacaca no pescoço
E carrego pra minha freguesia
Viva João, viva Zé, viva Maria
Viva a lua que o rato não lambeu
Viva o rato que a lua não roeu
Zé Limeira só canta desse jeito
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.
Martelo
Estrofe composta de decassílabos, muito usada nos versos heroicos ou mais satíricos, nos desafios. Os martelos mais empregados são o gabinete e o agalopado.
Martelo agalopado - Estrofe de dez versos decassílabos, de toada violenta, improvisada pelos cantadores sertanejos nos seus desafios.
Martelo de seis pés, galope - Estrofe de seis versos decassilábicos. Também se diz apenas agalopado.
Estrofe de 10 versos hendecassílabos (que tem 11 sílabas), com o mesmo esquema rímico da décima clássica, e que finda com o verso "cantando galope na beira do mar" ou variações dele. Termina, sempre, com a palavra "mar".
Às vezes, porém, o primeiro, o segundo, o quinto e o sexto versos da estrofe são heptassílabos, e o refrão é "meu galope à beira-mar". É considerado o mais difícil gênero da cantoria nordestina, obrigatoriamente tônicas as segunda, quinta, oitava e décima primeira sílabas.
  • Sobrinho:
Provo que eu sou navegador romântico
Deixando o sertão para ir ao mirífico
Mar que tanto adoro e que é o Pacífico
Entrando depois pelas águas do Atlântico
E nesse passeio de rumo oceânico
Eu quero nos mares viver e sonhar
Bonitas sereias desejo pescar
Trazê-las na mão pra Raimundo Rolim
Pra mim e pra ele, pra ele e pra mim
Cantando galope na beira do mar.
  • Limeira:
Eu sou Zé Limeira, caboclo do mato
Capando carneiro no cerco do bode
Não gosto de feme que vai no pagode
O gato fareja no rastro do rato
Carcaça de besta, suvaco de pato
Jumento, raposa, cancão e preá
Sertão, Pernambuco, Sergipe e Pará
Pará, Pernambuco, Sergipe e Sertão
Dom Pedro Segundo de sela e gibão
Cantando galope na beira do mar.
  • Antigamente, quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro, seguindo o esquema abba.
  • Hoje, verso de cinco ou de sete sílabas, respectivamente redondilha menor e redondilha maior.
Carretilha
Literatura popular brasileira - Décima de redondilhas menores rimadas na mesma disposição da décima clássica; miudinha, parcela, parcela-de-dez.
Métrica e Rima
  • Métrica:
Arte que ensina os elementos necessários à feitura de versos medidos. Sistema de versificação particular a um poeta. Contagem das sílabas de um verso. Verso é a linguagem medida. Para medir devemos ajuntar as palavras em número prefixado de pés. Chama-se pé uma sílaba métrica. O verso português pode ter de duas a doze sílabas. Os mais comuns são os de seis, sete, oito, dez e doze pés. Como o verso mais comum, mais espontâneo é o de sete pés, comecemos nele a contagem métrica. Exemplo:
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
Eis como se contam as sílabas:
Mi | nha | ter | ra |tem | pal | mei|
Não contamos a sílaba final "ras" porque o verso acaba no último acento tônico. O verso a quem sobra uma sílaba final chama-se grave. Aquele a quem sobram duas sílabas finais chama-se esdrúxulo. O terminado por palavra oxítona chama-se agudo, como o segundo e o quarto do exemplo supra. Eis como se decompõe o segundo verso:
On | de | can | ta o | sa | bi |á|
Nesse verso "ta o" se leem como t'o formando um pé, pela figura sinalefa (fusão) . Sabiá, modernamente, se deve contar dissílabo, porque biá, em duas silabas, forma hiato. Em geral devemos sempre evitar o hiato, quer intraverbal, quer interverbal. Os autores antigos e os modernos pouco escrupulosos toleram muitos hiatos.
·        
    • Sinalefa:
Figura pela qual se reúnem duas sílabas em uma só, por elisão, crase ou sinérese.
·        
    • Sinérese:
Contração de duas sílabas em uma só, mas sem alteração de letras nem de sons, como, p. ex., em reu-nir, pie-da-de, em vez de re-u-nir, pi-e-da-de.
As| aves | que a| qui | gor| jei |
Não | gor | jei| am | co | mo | lá |
No caso o verso é um heptassílabo, porque só contamos sete sílabas. Se colocarmos uma sílaba a mais ou a menos em qualquer dos versos, fica dissonante e perde a beleza e harmonia.
Vale lembrar que quando a palavra seguinte inicia com vogal, dependendo do caso, pode haver a junção da sílaba da primeira com a segunda, como se faz na língua francesa. Exemplo:
Para verificar a quantidade de silabas podemos contar nos dedos. Vejamos neste trechinho de Patativa do Assaré:
Nes | ta | noi | te | pas | sa | gei | ra
1       2     3    4     5     6    7
Há | coi| sa | que | mui | to | pas | ma
1       2     3    4     5     6    7
Um mote:
Vou | fa | zer | se | re | na | ta | na | cal | ça | da
1       2     3    4     5     6    7    8    9    10
Da | me | ni | na | que a | mei | na | mi | nha | vi | da
1       2     3    4     5       6      7     8    9    10
  • Rima
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    • Rimas consoantes:
As que se conformam inteiramente no som desde a vogal ou ditongo do acento tônico até a última letra ou fonema. Exemplo: fecundo e mundo; amigo e contigo; doce e fosse; pálido e válido; moita e afoita.
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    • Rimas toantes:
Aquelas em que só há identidade de sons nas vogais, a começar das vogais ou ditongos que levam o acento tônico, ou, algumas vezes, só nas vogais ou ditongos da sílaba tônica. Exemplo: fuso e veludo; cálida e lágrima; "Sem propósito de sonho / nem de alvoradas seguintes, / esquece teus olhos tontos / e teu coração tão triste." Cecília Meireles, Obra Poética, p. 516.
No caso da literatura de cordel nordestina, faz parte da tradição do gênero o uso de rimas consoantes. Se um folheto de cordel usa rimas toantes, o conhecedor de cordel pensa logo que o autor daquele folheto desconhece a existência destas regras. Um cordel escrito assim pode até ser um grande poema, mas não se pode dizer que se trata de 'um cordel autêntico'.