Poesia de Cordel

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Zé Limeira o Poeta do Absurdo



Zé Limeira (Teixeira, 18861954) foi o cordelista/repentista mais mitológico do Brasil. Era conhecido como Poeta do Absurdo. Nasceu no sitio Tauá, em Teixeira, cidade da Paraíba que foi o principal reduto de repentistas no século XIX.
Os temas que abordava em suas poesias e repentes eram variados e chegavam, muitas vezes, ao delírio. Pornografia era um tema recorrente, mas Zé Limeira ficou conhecido como "Poeta do Absurdo" por suas distorções históricas, poesias recheadas de surrealismo e nonsense, e pelos neologismos esdrúxulos que criava.
Vestia-se de forma berrante, com enormes óculos escuros e anéis em todos os dedos, e saía pelos caminhos de sua vida, cantando e versando.

“Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada,
A lua branca alumia,
Jesus, José e Maria,
Três anjos na farinhada.”

O repente, a cantoria e a literatura de cordel são tradições que remontam da Idade Média e que teria sido trazida ao Brasil pelos portugueses lá pelo século XIX, se popularizando no Nordeste, mas especificamente nos Estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará. Muitos cantadores se tornaram famosos, mas um deles se destacou por seu comportamento esdrúxulo, um tropicalista pré-cambriano entre os tradicionais cantadores. Eis um pouco da história de Zé Limeira, o poeta do absurdo.
O senhor dos anéis do sertão
Quem viu Zé Limeira ao vivo e a cores testemunhou uma figura ímpar em comportamento e aparência. Usava diversos anéis nos dedos, uma bengala de aroeira, óculos escuros estilo “ray-ban” e um lenço colorido em volta do pescoço. Carregava sempre seu violão adornado com dezenas de fitas multicores, costumava beber “zinebra”, que carregava em seu matulão. Percorria as estradas do sertão a pé, morria de medo de trem – o “embuá de ferro” – e o único veículo no qual subia era carro de boi, que era “abençoado por Deus”. Era de uma excentricidade digna de um astro de rock.
Todavia, o que realmente destacava Zé Limeira dos demais cantadores que freqüentavam feiras e festas era, além de uma voz poderosa, o seu estilo surreal e anárquico, que davam nó em qualquer violeiro que pelejasse com ele, e divertia os presentes. Em suas rimas misturava personagens e cenários bíblicos e históricos com os elementos do sertão, inventando palavras e termos. Natural do município de Teixeira, no sertão da Paraíba, era um verdadeiro pop-star do Nordeste, popular entre os humildes e poderosos, que se divertiam nas pelejas entre ele e o infeliz que o encarasse, já que normalmente o pobre ficava eclipsado pela língua felina e os improvisos malucos do cantador. Ele afirmava que era necessário o fôlego de sete gatos para acompanhá-lo, tanto na cantoria quanto no caminhar – consta que ele caminhava sessenta quilômetros por dia, embreado na caatinga.

O biógrafo do poeta

Orlando Tejo, poeta, advogado e jornalista, natural de Campina Grande, testemunhou ainda jovem muitos dos desafios do qual Limeira participou. Tejo chegou a registrar algumas dessas pelejas em fita, porém todo e qualquer registro feito por ele ou por seus colegas acabou se perdendo, e atualmente não existem gravações da voz de Zé Limeira. Mesmo assim, ele memorizou muito do que ouviu e transcreveu para o papel, garantindo a imortalidade do bardo sertanejo. Seu livro “Zé Limeira – Poeta do Absurdo” é editado desde o início dos anos oitenta.

Algumas estrofes

No livro de Orlando Tejo, ele relata como conheceu Zé Limeira e alguns causos que testemunhou ou que colheu de amigos que testemunharam, inclusive com algumas das cantorias.  Consta, por exemplo, que o governador de Pernambuco, Agamenon Magalhães, promovera no palácio do governo um encontro de repentistas, entre eles os famosos irmãos Batista. Eis que chega ao meio da festa Zé Limeira, que é bem recebido por todos. Ficou famosa a estrofe dedicada à primeira dama, após Otacílio Batista oferecer um brinde a ela em versos:

“Eu cantando pra Dona Antonieta
A muié do Doutor Agamenon,
Fico como o Reis Magro do Sion,
Me coçando na mesma tabuleta.
Eu aqui vou rasgando a caderneta
De Otacílio Batista Patriota…
Doutor, como eu não tenho um brinde em nota,
Que possa oferecer à sua esposa.
Dou-lhe um quilo de merda de raposa
Numa casca de cana piojota.”

Os vultos históricos perambulavam pelo sertão imaginário de Limeira, despidos de qualquer honraria ou reverencia.
O velho Tomé de Souza
Governador da Bahia
Casou-se no mesmo dia
Passou a pica na esposa
Ele fez que nem raposa
Comeu na frente e atrás
E passou pelo caís
Onde o navio trafega
Comeu o padre Nobrega
E os tempos não voltam mais

Napoleão era um
Bom capitão de navio
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.

Pedro Álvares Cabral
inventor do telefone
começou tocar trombone
na Volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
arranjou dois instrumento
daí chegou um sargento
querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
diz o Novo Testamento”

Frei Henrique de Coimbra
Sacerdote sem preguiça
Rezou a primeira missa
Perto de uma cacimba
Um índio passou-lhe a pimba
Ele não quis aceitar
E hoje vive a chorar
Embaixo de um pé de jureme
O bom pescador não teme
As profundezas do mar

Getúlio Vargas morreu
Foi com saudade da esposa,
Lampião inda tá vivo
Morando perto de Sousa
Por detrás do sete-estrelo
tem um casal de raposa.

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Plantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá,
Dom Pedro correu pra Iá,
Escanchado num tratô…
Canta, canta, cantadô
Que seu destino é cantá.

Já Jesus Cristo, a Virgem Maria e outros do livro sagrado também foram alvos do iconoclasta poeta. Segue alguns exemplos

“Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram Betelelém,
Chupô cana num engem,
Pediu arrancho num brejo,
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira malhô
Foi que Judas vendeu Jésus!”

“Jesus saiu de Belém,
Viajando pra o Egito,
No seu jumento bonito,
Com uma carga de xerém,
Mais tarde pegou um trem,
Nossa Senhora castiça,
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro,
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!”

“Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.”


“Jesus nasceu em Belém
conseguiu sair dali
passou por Tamataí
por Guarabira também
Nessa viagem de trem
foi parar num entrocamento
Não encontrando aposento
dormiu na casa de um cabo
jantou cuscus com quiabo
diz o Novo Testamento”

“São Pedro, na sacristia,
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom”.

 
A Maldição de Zé Limeira

O Romance da Pavoa Devoradora era uma narrativa pesada sobre as desgraças trazidas pela ave mítica do título, que com seu bico de 36 léguas trousse e traria desgraça ao mundo. Não há registro escrito ou gravado de tal poema, cuja declamação alcançava hora e meia, e deixaria “O Corvo” de Edgar Allan Poe, no chinelo. Havia um tabu para cantar tanta desgraceira: nunca antes de meia-noite, e sempre de olhos fechados. Quem era mais supersticioso ou impressionável acabava abandonando o recinto.  Reza a lenda que, após muita insistência, Zé Limeira quebrara ambos os tabus em uma noite de cantoria na sua própria casa, em Teixeira no ano de 1954, e que pouco depois morre.
Falando em tabus e maldições, Existe uma “maldição” em torno do livro de Orlando Tejo, no qual quem adquire o livro acaba não ficando com ele muito tempo. Ou você empresta e não devolvem ou simplesmente ele “some” de sua estante. Até o autor já foi vítima diversas vezes dessa “maldição”. Eu mesmo já perdi meu exemplar desse livro, que estava nas mãos de meu irmão (que por sua vez o perdeu a um amigo).

Zé Limeira nas Artes

Há quem diga que Zé Limeira é apenas uma lenda inventada por cantadores e poetas, e que tal figura nunca existiu. Como não existem fotos e nem registros gravados, o ceticismo de muitos é forte, e acusam o pobre do Orlando Tejo de ter criado essa figura tão inverossímil.
Mesmo lenda ou fato, Zé Limeira se tornou um ícone da nordestinidade, e outros cantadores reverenciam o mesmo e o transformam em personagem de literatura de cordel, inclusive colocando-o em desafio com Zé Ramalho. Aliás, Zé Ramalho bebeu e bebe na fonte da poesia sertaneja desde os seus primeiros discos, e em Força Verde há uma faixa intitulada Visões de Zé Limeira sobre o final do século XX. O Quinteto Violado lançou em 1979 o disco Pilogamia do Baião, cujo título é inspirado em um dos poemas de Zé Limeira. Mais recentemente, o grupo pernambucano Mestre Ambrósio grava Se Zé Limeira Cantasse Maracatu no disco Fuá na Casa de Cabral. A banda de forró paraibana As Bastianas já executou em shows a música Zé Limeira.com. Mesmo com a cultura popular nordestina em declínio, a imagem

Mais Zé Limeira

Praticamente a única fonte de informação sobre Zé Limeira é o livro de Orlando Tejo, que não é das coisas mais fáceis de encontrar. Na página do autor há dois capítulos em PDF para download. Inclusive um desses capítulos é um dos melhores do livro, no qual Orlando Tejo critica a chamada poesia moderna e os movimentos de vanguarda, usando de muito bom humor e comparando com a poesia de Limeira. Mas caso consiga o livro, muito cuidado com a maldição…

12 comentários:

  1. A Paraíba berço de poetas e repentistas teve o privilegio de parir Zé Limeira o poeta do absurdo,parabéns a cidade de Teixeira pois foi ela o berço do poeta tão famoso , um abraço ao escritor Orlando TEJO. MARCOS DIAS DO NASCIMENTO TAGUATINGA DF. 11/12/2012

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  2. Minha homenagem ao grande Zé Limeira:

    Foi num porto da Bahia
    Que Dom João chegou bem cedo
    Dava pra contar no dedo
    A bagagem que trazia
    Uma dúzia de bacia
    Dois fardos de algodão
    Gasolina de avião
    Do café trouxe a semente
    Duas bíblias uma de crente
    Outra do rei Salomão

    Cristo enforcou Jesus
    Na beira do rio Jordão
    Na noite de São João
    Num galho de cipó-cruz
    Comeu pirão com cuzcuz
    No meio da cabroeira
    Na noite de sexta-feira
    Cantou prosa e rezou missa
    José e Maria castiça
    Diria assim Zé Limeira

    No tempo da ditadura
    Eu rezei pro pai eterno
    Fez sol mas deu bom inverno
    Plantei fava e rapadura
    Veja só que formosura
    A “muié” de Barbosinha
    Se ela tivesse sozinha
    E o cachorro amarrado
    Eu levava ela prum lado
    E uma cuia de farinha

    O pai da aviação
    Por nome Drumon Andrade
    Sem dó e nem piedade
    Se atracou com Lampião
    Na bainha um facão
    Na matula um castiçal
    Gritou pra São Nicolau
    Acuda-me nessa hora
    Disse isso e foi-se embora
    Deixando um cartão postal

    Por causa da Ditadura
    O Brasil foi descoberto
    Um navio chegou perto
    Da curva da ferradura
    Dom Pedro fez a leitura
    Na borda da ribanceira
    Cabral trouxe uma cadeira
    Sem dó e sem ter clemência
    Proclamou a independência
    Diria assim Zé Limeira

    No dia em que eu falecer
    Peço pro povo velante
    A noite toquem um berrante
    Botem pinga pra beber
    Espero comparecer
    Virgulino Lampião
    Patativa e Gonzagão
    O dono da Coca-Cola
    Mais Pelé o Rei da bola
    E o pai da aviação

    (Zé Roberto)

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    1. Parabéns Zé Roberto, seria um ótimo repentista/cordelista.

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    2. Obrigado Gaby, mas apenas "brinco" no Cordel.

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    3. muito bom, estilo Limeirense sem dúvida!!

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    4. Bem absurdo mesmo. É uma criatividade sem freios, amparada por rico vocabulário e um conhecimento muito variado. Realmente é limeirense, mas digo que como cordelista você tem vida e carreira própria. Você mostrou aqui ser capaz de fazer seu próprio estilo de humor e absurdo. Decole, que vc tem poderosas asas!

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  3. Brincando a lá "zé Limeira".

    Estava Oscar Niemayer
    A pintar a Santa Ceia
    jesus desceu-lhe uma tapa
    Porque a tinta vermeia
    Derramou do canecão
    Escorrendo pelo chão
    De Jesus sujou a meia!

    São francisco de Assis
    Se candidtou-se a Papa
    Expulso de lá a tapa
    Pelo chefe da Matriz
    Hoje vive em São Luiz, em
    prisão domiciliar
    Pego a contrabandear
    Arara, melrro, pixarro
    Siriema e João-de-barro
    Foi preso ao desembarcar!

    O grande Napoleão
    Viajou lá pelo Crato
    Na corcova dum jumento
    Levando seu aparato
    Desceu, chupou uma cana
    Já faz mais de uma semana
    Que eu não engraxo o sapato!

    Eduardo Cunha foi
    Cordelista e fofoqueiro
    Coordenou a campanha
    Do rei Dom Pedro Primeiro
    Quando voltou do Japão
    Sequestrou um avião
    Na frente dum brigadeiro!

    Cazuza nunca foi crente
    Nem conhecia o vigário
    O galo que acorda tarde
    Não se atentou pro horário
    Bombardearam Belém
    Não sobrou nenhum vintém
    Pra pagar meu honorário!

    A vida pra ter sentido
    Tem que a escritura rezá
    Moça que solta a ruela
    Essa eu quero namorá
    Na sexta-feira maió
    Joguei na água o anzó
    Peguei cinco carcará!

    Padim Ciço quando moço
    Se atracou com lampião
    Deu no cabra cum rosário
    Jogando o peste no chão
    Assoprou um pé-de-vento
    Com sete conto e quinhento
    Eu comprei meu caminhão!

    São José, pai de Jesus
    Foi ferreiro e engraxate
    Fazia bico na feira
    Derretendo chocolate
    Casou-se com Madalena
    Quenga da saia pequena
    Vendedora de alicate!

    Na cidade de Sumé
    Passeando de charrete
    No fiofó dum jumento
    O Papa Pio Dezessete
    Fazia grande zoeira
    Com um talo de aroeira
    Enrabando uma chacrete!

    Ninguém reze Ave-Maria
    Lendo cifra de pai Nosso
    Faz tempo que eu lá não vou
    E só vou lá quando posso
    Víxi, agora foi que eu vi
    Um casal de três siri
    E quase que eu tive um troço!

    (Zé Roberto)

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  4. Quando Abel sangrô Cain
    O dia se aningreceu
    E, trezentos e sessenta
    Hora seguida choveu
    Noé vendo a coisa preta
    Atracou sua corveta
    Trinta passage vendeu!
    (Zé Roberto)


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  6. Kkkkkkkk, muitíssimo engraçado e original, parabéns.

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